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Por que amamos e maltratamos os cães?

Writer's picture: Dra. Natalia de Souza AlbuquerqueDra. Natalia de Souza Albuquerque

Natalia de Souza Albuquerque e Briseida Resende são do Instituto de Psicologia da USP. Carine Savalli é da Unifesp



O ano de 2018 terminou em comoção nacional. Brasileiras e brasileiros de todo o país se sensibilizaram em favor de uma cachorrinha vira-lata que foi agredida severamente (em plena luz do dia, em meio a muitas pessoas) por um funcionário de um hipermercado em São Paulo e que faleceu devido às agressões.


Enquanto continuam as buscas por um culpado (seja a empresa que “solicitou” que a cachorrinha que andava por uma de suas lojas “desaparecesse”, o próprio funcionário que a agrediu, seja o Estado que se omitiu de seu papel de responsabilidade pelos animais de rua), fica a pergunta: por que situações como essa acontecem?


Cães e seres humanos convivem há dezenas de milhares de anos. Na verdade, cães foram os primeiros animais a serem domesticados e, atualmente, ocupam um lugar extremamente importante nas mais diversas sociedades humanas. Eles podem ser encontrados em contato com pessoas ao redor de todo o mundo e exercem uma gama imensa de funções, desde farejar minas em áreas de guerra e ajudar na detecção de doenças, a assistir pacientes no espectro do autismo. No Brasil, por exemplo, há mais cães nas casas das pessoas do que crianças.



E não é de se espantar que cães estejam, cada vez mais, se tornando membros da família: a ciência vem mostrando que os laços afetivos criados entre uma pessoa e seu cão podem se assemelhar aos laços entre mãe e filho, envolvendo processos fisiológicos e neurológicos específicos que possibilitam essa aproximação tão intensa e verdadeira.

Desde o final da década de 90, pesquisadores do mundo inteiro (inclusive do Brasil) vêm estudando as habilidades dos cães, principalmente nas suas relações com pessoas.


Já sabemos que eles são altamente sensíveis a nossos sinais comunicativos, como a direção do nosso olhar e o gesto de apontar. Além disso, cães produzem sinais para se comunicar conosco e podem fazer isso de forma intencional, quando desejam comunicar que querem o restinho de comida que ficou em cima da mesa, por exemplo.


No Brasil, por exemplo, há mais cães nas casas das pessoas do que crianças.

Eles possuem a habilidade de distinguir quando estamos felizes ou com raiva, eles reagem de forma diferente dependendo de como lidamos com o mundo e eles são capazes de reconhecer nossas emoções e reagir de forma empática quando estamos tristes. Ao que parece, cães desenvolveram capacidades específicas para se comunicarem com seres humanos ao longo de sua história evolutiva e ao longo do seu dia a dia em proximidade conosco. Além disso, cães, como todos os vertebrados, são animais sencientes. Ou seja, sentem dor e prazer e vivenciam emoções como medo, tristeza e alegria. Cães se comportam de maneira a evitar o sofrimento e a garantir sua sobrevivência.


Todas essas características conferem ao cão um posto especial, mas também o colocam em situações de vulnerabilidade e risco. Quem nunca foi seguido por um cachorro de rua? Ou se aproximou de um cão que logo se deitou de barriga para cima para receber carinho? Quem nunca viveu a experiência de um cachorro se aproximar, mesmo quando somos completos estranhos?


A nossa forma de pensar e nossas afiliações com outras formas de vida emergem das nossas interações com os animais, com o meio ambiente e com a cultura, e é dessas interações que se desenvolve nossa maneira de agir para com eles.

Não há como ser humano sem estar em contato com outros animais. Porém, essas interações podem acontecer de diversas maneiras. Algumas escolas teóricas sugerem que possuímos um desejo intrínseco de aproximação com animais. No entanto, não nascemos já gostando de animais ou possuindo um carinho inato por eles. Mas é fato que crescemos rodeados de imagens lúdicas de vários deles e provavelmente entre as primeiras palavras que aprendemos algumas são nomes de bichos. Então por que as atitudes humanas variam tanto?


A nossa forma de pensar e nossas afiliações com outras formas de vida emergem das nossas interações com os animais, com o meio ambiente e com a cultura, e é dessas interações que se desenvolve nossa maneira de agir para com eles. E, de fato, pressões econômicas, sociais e políticas podem influenciar fortemente na forma de lidar com outros indivíduos.


Faltam políticas públicas de manejo e cuidado dos animais em situação de rua; faltam fiscalização e punição daqueles que sujeitam cães a situações de sofrimento; faltam medidas e ações educativas eficientes, que cheguem às escolas e que possibilitem a construção de um processo de ação-reflexão-ação, em que os estudantes possam aprender a problematizar, elaborar um senso crítico e se desenvolver como agentes ativos de mudança positiva no mundo. Educar nossas crianças para respeitar os animais é chave para uma convivência mais harmoniosa entre diferentes espécies.


Não somente devemos nos sensibilizar quando algo trágico acontece e é divulgado na mídia, mas devemos nos mobilizar de forma ativa, demandando e lutando por mudanças estruturais na forma como esses animais são vistos e tratados. E, fundamentalmente, precisamos continuar investindo esforços para compreender as relações entre pessoas e animais, para entender seus comportamentos, suas necessidades e suas percepções de mundo, para elaborar estratégias e implementar práticas de cidadania planetária, que visam ao respeito a todas as formas de vida.


Torna-se crucial investir na produção do conhecimento científico e na sua divulgação em diversas esferas: para conscientização de pessoas de todas as faixas etárias e para a fundamentação de práticas que ajam diretamente sobre o bem-estar dos animais. Dessa forma, poderemos contribuir para garantir os direitos dos cães, que sofrem com maus tratos e abusos físicos e psicológicos, e também de todos os animais que direta ou indiretamente convivem conosco.


fonte: Jornal da USP



Briseida Dôgo de Resende


Atualmente é professora doutora do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Tem experiência na área de Comportamento Animal e Psicologia Evolucionista, atuando principalmente nos seguintes temas: aprendizagem, desenvolvimento, e influência social na aprendizagem. Participa da Rede de Atenção à Pessoa Indígena. Foi coordenadora do Núcleo do Publicações do IPUSP e é editora-chefe da Revista de Psicologia USP. Possui graduação em Ciências Biológicas pela Universidade de São Paulo (1994), mestrado (1999) e doutorado (2004) em Psicologia (Psicologia Experimental) pela Universidade de São Paulo. (Fonte: Currículo Lattes)


Natalia de Souza Albuquerque


Bacharel em Ciências Biológicas, pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Mestre e Doutora em Comportamento Animal pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia Experimental do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP). Atualmente trabalhando como pós-doc do Instituto de Psicologia da USP. Membro da Animal Behavior Society (ABS), da Sociedade Brasileira de Etologia (SBEt), da International Primatological Society (IPS) e da Sociedade Brasileira de Psicologia (SBP). Está focada especialmente nos mecanismos de regulação social e emocional. Possui experiência com Comportamento e Cognição Animal, Etologia Cognitiva, Psicologia Comparativa e Experimental, Comunicação Animal, Bioacústica e Conservação, Bioética e Direitos dos Animais e em Educação Ambiental. É pesquisadora colaboradora do grupo de pesquisa LEDIS - Laboratório de Etologia, Desenvolvimento e Interação Social e do LECA - Laboratório de Etologia Canina. (Fonte: Currículo Lattes)


Carine Savalli Redigolo


Possui graduação em Bacharelado em Estatística pelo Instituto de Matemática e Estatística (IME) da Universidade de São Paulo (1995), mestrado em Estatística pelo IME da Universidade de São Paulo (1998) e doutorado em Estatística pelo IME da Universidade de São Paulo (2005). É Professora Associada na Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP na área de Bioestatística no campus Baixada Santista. Desde 2006 redireciona suas pesquisas para uma segunda área de estudo, a Psicologia Experimental, com ênfase em Etologia. Finalizou em 2009 o segundo mestrado e em 2013 o segundo doutorado na área de comunicação cão-ser humano. É pesquisadora líder do grupo de pesquisa LECA - Laboratório de Etologia Canina e orientadora credenciada plena de mestrado e doutorado no programa de pós-graduação em Psicologia Experimental do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (conceito CAPES 7). (Fonte: Currículo Lattes)


Bibliografia:


Albuquerque, N., Guo, K., Wilkinson, A., Savalli, C., Otta, E., Mills, D. (2016). Dogs recognize dog and human emotions. Biology Letters 12(1), 20150883.


Albuquerque, N., Guo, K., Wilkinson, A., Resende, B., Mills, D. (2018) Mouth-licking by dogs as a response to emotional stimuli. Behavioural Processes 146, p. 42-45.


Savalli, C., Albuquerque, N. (2017) Cognição e Comportamento de Cães (1ed.) São Paulo: EDICON, 318 p.


Savalli, C., Ades, C., Gaunet, F. (2014) Are dogs able to communicate with their owners about a desirable food in a referential and intentional way? PLoS One 9(10), 0111387.


Savalli, C., Resende, B., Gaunet, F. (2016) Eye contact is crucial for referential communication in pet dogs. PLoS One 11(9), 0162161.


Resende, B. (no prelo) “Da interação do bicho humano com os outros bichos: afetos e bem-estar.” In: Otta, E.; Bussab, V. Estados Afetivos e Comportamento Humano: Bases Psicoetológicas.

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